São 17% os deputados ligados ao "lobby da cerveja", revela pesquisa da Folha de S. Paulo divulgada neste sábado. Realizada a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral, a pesquisa mostra que quase um em cada cinco deputados – são 87 deputados federais – tem concessão de rádio e televisão e/ou receberam em 2006, da indústria de bebidas e de comunicação, mais de 2 milhões de reais em doações de campanha. Na semana passada, o projeto que restringe a propaganda de bebidas com baixo teor alcoólico, inclusive a cerveja, entre 6 e 21 horas em rádio e televisão, foi retirado da pauta de votações. Como são poderosos os mercadores da morte. [1]
Há mais de um mês, finórios membros da indústria de cerveja e de emissoras de rádio e TV, vão ao Congresso quase diariamente para fazer lobby contra o projeto de regulamentação. Ou seja, para manter a terra de ninguém em que se tornou a questão da propaganda de bebidas alcoólicas, que favorece o lucro de quem fabrica e de quem divulga. E, confirma-se agora, engorda o caixa de deputados. Este lucro com a cerveja deixa sempre capenga qualquer possibilidade da mídia de discutir com seriedade a principal causa de acidentes e mortes no trânsito. Como enfrentar Brahma, Skol, Kaiser, Antártica, Globo, Record, SBT, Band e o bando dos deputados?
Trava-se, pois, uma verdadeira batalha entre o Ministério da Saúde, de um lado, e o Congresso Nacional, a indústria de bebidas e a “indústria” da mídia, do outro. Nessa, conforme revela surpreendente matéria de capa do Jornal do Brasil desta segunda-feira: “o Brasil gasta mais de R$ 33 bilhões anuais com problemas decorrentes do álcool. Somam-se aí as despesas com acidentes rodoviários e assistência às vítimas, além dos custos do SUS com o tratamento direto a pacientes de alcoolismo. Segundo o governo federal, faltam dados mais precisos sobre casos que chegam às áreas de cardiologia e neurologia nos hospitais públicos”. [2]
domingo, 25 de maio de 2008
Mercadores da morte
Hercules Liberal
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Perdoe a pressa
Há 47 anos, Iuri Gagarin subiu ao cosmo. Surpreendente fato que inaugurou a chamada era espacial. Um espectro de futuro a rondar a Terra que, na visão do herói cosmonauta, era azul, a cor da felicidade. Visto de longe, nosso planeta irradiava uma imagem de um futuro, cada vez mais perto. Avassaladoras conquistas da humanidade, a exibir sem peias os instrumentos da redenção iminente. Prenúncios da liberdade prometida pelas ideologias do fim do século anterior. A ação do próprio homem a resultar em sucessivos avanços da ciência. Os instrumentos de condução ao paraíso. Ingênua e vã expectativa de que, agora, a tecnologia começaria a substituir parte do trabalho humano. Em quase tudo, a promessa de mais tempo ao homem. Tempo para a vida, para produzir felicidade.
Perdeu-se na poeira a imagem do Sinal Fechado com que Paulinho Viola retratou a vida andada “a cem”, nos anos setenta, para pegar um “lugar no futuro”. Como achar, na barafunda do trânsito, ou na vida de tantos, dois dedos de prosa perdidos numa parada do sinal, circunstância dramática narrada pelo poeta da Portela. Inda mais com películas contra o sol a isolar o homem do seu habitat natural de convivência com seu semelhante, principalmente quando se encontra ao volante.
Não é certo atribuirmos culpa pela clausura que nos impomos ao temor do menino da flanelinha, ou do vendedor de dropes, nem do distribuidor de impressos, todos os que alimentam nossa “neura” do assalto iminente. É uma fórmula oportunística que nos esconde, com razoável conforto, do preconceito contra os menos aquinhoados da vida moderna. Os apartados da sociedade, herdeiros da selvagem exploração humana. O que tira das pessoas o direito à comunicação, à conivência solidária é a própria malha tecida, agora “a mil”, pelos atalhos da vida moderna. É esse o nosso lugar no futuro?
O que há de novo na cultura do mundo?. O que se produz diferentemente daquilo que demanda o mundo do mercado. Que criatividade há além da mania da auto-ajuda que caracteriza a “moderna” sociedade do eu sozinho? Que desfrutamos dos avanços da ciência a exceção do que setornou mais-valia? A lei do mais forte. A ampliação do fosso social. Que conjuntura resultou da globalização dos meios de produção e do mercado mundial? Globalização sob o controle do império econômico e maximizado pela ausência de concorrência ideológica no mundo, que se seguiu à queda do muro de Berlin.
Há uma busca frenética desde os anos setenta, ontem a cem, hoje a mil, e a inevitável procura por um espaço na perversa concorrência que a cultura do mercado de hoje impõe ao mundo. Passa-nos a sensação de que o tempo é que está passando muito rapidamente. Talvez a máquina do tempo tenha recebido uma aceleração diabólica, subliminar, para deixar espaço exíguo aos que possam ousar construir algo diferente, algum bezerro de ouro que possa confrontar o deus-capital, o deus-mercado.
O sinal... vai abrir... A todo tempo, nova partida para a perversa corrida em busca da riqueza que, cada vez mais, produz mais pobreza e menos tempo à felicidade.
Perdeu-se na poeira a imagem do Sinal Fechado com que Paulinho Viola retratou a vida andada “a cem”, nos anos setenta, para pegar um “lugar no futuro”. Como achar, na barafunda do trânsito, ou na vida de tantos, dois dedos de prosa perdidos numa parada do sinal, circunstância dramática narrada pelo poeta da Portela. Inda mais com películas contra o sol a isolar o homem do seu habitat natural de convivência com seu semelhante, principalmente quando se encontra ao volante.
Não é certo atribuirmos culpa pela clausura que nos impomos ao temor do menino da flanelinha, ou do vendedor de dropes, nem do distribuidor de impressos, todos os que alimentam nossa “neura” do assalto iminente. É uma fórmula oportunística que nos esconde, com razoável conforto, do preconceito contra os menos aquinhoados da vida moderna. Os apartados da sociedade, herdeiros da selvagem exploração humana. O que tira das pessoas o direito à comunicação, à conivência solidária é a própria malha tecida, agora “a mil”, pelos atalhos da vida moderna. É esse o nosso lugar no futuro?
O que há de novo na cultura do mundo?. O que se produz diferentemente daquilo que demanda o mundo do mercado. Que criatividade há além da mania da auto-ajuda que caracteriza a “moderna” sociedade do eu sozinho? Que desfrutamos dos avanços da ciência a exceção do que setornou mais-valia? A lei do mais forte. A ampliação do fosso social. Que conjuntura resultou da globalização dos meios de produção e do mercado mundial? Globalização sob o controle do império econômico e maximizado pela ausência de concorrência ideológica no mundo, que se seguiu à queda do muro de Berlin.
Há uma busca frenética desde os anos setenta, ontem a cem, hoje a mil, e a inevitável procura por um espaço na perversa concorrência que a cultura do mercado de hoje impõe ao mundo. Passa-nos a sensação de que o tempo é que está passando muito rapidamente. Talvez a máquina do tempo tenha recebido uma aceleração diabólica, subliminar, para deixar espaço exíguo aos que possam ousar construir algo diferente, algum bezerro de ouro que possa confrontar o deus-capital, o deus-mercado.
O sinal... vai abrir... A todo tempo, nova partida para a perversa corrida em busca da riqueza que, cada vez mais, produz mais pobreza e menos tempo à felicidade.
Hercules Liberal
sábado, 17 de maio de 2008
O pastoril "Estrela de Belém"
Recebi meu décimo terceiro salário, desta vez sem o habitual acúmulo de dívidas a saldar. Corri ao “Mercado São José”, no Recife, em cujas ruas fronteiriças antigamente minha mãe, a me levar, criança, pela mão, costumava garimpar produtos mais baratos, com a mesma qualidade, e muitas vezes até melhores, que os vendidos na Rua Nova ou na Imperatriz. Não mudou nada nesse aspecto.
Assim, comprei o sonhado cortinado de filó. Não um cortinado qualquer. Um que permitisse meus movimentos vira-e-mexe de dormir, a deixar longe os malditos pernilongos cujas picadas penetravam minha alma. Já nem me incomodavam mais os renitentes decibéis dos seus cânticos torturantes que mais pareciam os ruídos das brocas de dentistas, que me davam pavor. Acostumei-me a eles. Ou eles a mim.
Aproveitei para saborear uma daquelas exuberantes tapiocas com coco ralado. Caprichadas por uma cabocla cheirando a alecrim. Dizia-se que ela ofertava ao cristão de quem gostava o mesmo sabor benevolente do seu beiju. Criança, eu não entendia muito a comparação. Apenas suspeitava. De qualquer modo, tratava-se de uma especiaria popular que rivalizava apenas com o peixinho agulha frito que se encontrava em cada esquina das seculares ruas do bairro de São José. Cuido, agora, de não babar o teclado do computador.
Naquela noite de dezembro, ao voltar do pastoril no auditório da “Rádio Clube”, onde eu já torcia pelo cordão encarnado, encarei a tarefa de dormir. Não sem antes comer um bom pedaço assado daquela carne importada do Sertão. O suor já a me escorrer pelo pescoço, quando resolvi abrir a janela esperando receber algum pedaço de brisa desviado do seu habitual caminho, vez subindo vez descendo a Rua da Cadeia, em Olinda, onde eu morava. Em vão.
Entretanto, nas horas de desespero, eu costumava buscar ajuda nas máximas do meu avô. Lembrei-me da sua tese de que não entraria vento na casa se ele não encontrasse uma outra porta, ou janela, para sair. Um santo remédio, com a ajuda do filó, claro.
Dormi toda a noite. Um cheiro de alecrim no ar. Ao longe, uma melodia íntima da criançada do meu tempo, como um coro de anjos: “Viemos para adorar...”
Assim, comprei o sonhado cortinado de filó. Não um cortinado qualquer. Um que permitisse meus movimentos vira-e-mexe de dormir, a deixar longe os malditos pernilongos cujas picadas penetravam minha alma. Já nem me incomodavam mais os renitentes decibéis dos seus cânticos torturantes que mais pareciam os ruídos das brocas de dentistas, que me davam pavor. Acostumei-me a eles. Ou eles a mim.
Aproveitei para saborear uma daquelas exuberantes tapiocas com coco ralado. Caprichadas por uma cabocla cheirando a alecrim. Dizia-se que ela ofertava ao cristão de quem gostava o mesmo sabor benevolente do seu beiju. Criança, eu não entendia muito a comparação. Apenas suspeitava. De qualquer modo, tratava-se de uma especiaria popular que rivalizava apenas com o peixinho agulha frito que se encontrava em cada esquina das seculares ruas do bairro de São José. Cuido, agora, de não babar o teclado do computador.
Naquela noite de dezembro, ao voltar do pastoril no auditório da “Rádio Clube”, onde eu já torcia pelo cordão encarnado, encarei a tarefa de dormir. Não sem antes comer um bom pedaço assado daquela carne importada do Sertão. O suor já a me escorrer pelo pescoço, quando resolvi abrir a janela esperando receber algum pedaço de brisa desviado do seu habitual caminho, vez subindo vez descendo a Rua da Cadeia, em Olinda, onde eu morava. Em vão.
Entretanto, nas horas de desespero, eu costumava buscar ajuda nas máximas do meu avô. Lembrei-me da sua tese de que não entraria vento na casa se ele não encontrasse uma outra porta, ou janela, para sair. Um santo remédio, com a ajuda do filó, claro.
Dormi toda a noite. Um cheiro de alecrim no ar. Ao longe, uma melodia íntima da criançada do meu tempo, como um coro de anjos: “Viemos para adorar...”
Hercules Liberal
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